No dia 25 de outubro, aconteceu no Centro Universitário UNA, em BH, por meio da Comissão de Saúde do CRESS-MG, o 1º Encontro Estadual de Residência Multiprofissional com Inserção do Serviço Social. O evento teve como objetivo fomentar a discussão sobre a realidade da residência multiprofissional e refletir sobre seus desafios na atualidade.
Após a mesa de abertura, houve a mesa sobre “Política de Saúde na atualidade e a estratégia de formação do assistente social na modalidade de residência multiprofissional”, com a explanação de Ruth Ribeiro Bitencourt, professora do Curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e representante do CFESS no Conselho Nacional de Saúde (CNS), e de Thaísa Closs, assistente social com Residência Integrada em Saúde, Atenção Básica pela Escola de Saúde Pública do Rio Grande do Sul (2006/2008), professora do Curso de Serviço Social da PUCRS e doutoranda em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Ruth contextualizou a política de Saúde com base na CF/88, dando ênfase à precarização das relações de trabalho, assim como uma crítica à privatização do SUS através da financeirização da Saúde, por meio da proposta da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) e de tantas outras Parcerias Público-privadas (PPPs). “Tanto a Constituição Federal como a Lei Orgânica da Saúde trazem que é vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à Saúde, no Brasil. Mas não é isso que estamos vivenciando. A EBSERH, por exemplo, acaba com o sistema federativo brasileiro!”
A conselheira criticou, ainda, o fato de o Brasil enquanto país com grande crescimento econômico, destinar apenas 8,6% de sua arrecadação à política pública de Saúde. Ruth aponta como um grande desafio, a precarização das políticas de Seguridade Social, como por exemplo, 60% dos recursos destinados à Saúde são para a parceria público-privada e não há a priorização de equipamentos estatais. Fora isto, ocorre o desmonte dos espaços de Controle Social. A professora ressalta, ainda, que a população precisa ser mais estimulada a intervir nos espaços de participação social em defesa do SUS, por isso a necessidade de vivências em espaços de controle social, espaços para além dos Conselhos de Saúde, espaços de gestão e de planejamento.
Residência Multiprofissional propriamente dita
Já Thaísa Closs, falou sobre a modalidade de Residência Multiprofissional e fez um contraponto entre formação em serviço e treinamento em serviço: “Treinam-se técnicos, mas não se formam profissionais”. Para ela, treinamento é caracterizado por um trabalho de carga horária excessiva, sem reflexão, no qual o residente aprende por repetição. Essa é uma perspectiva que contradiz o modelo alinhado à reforma sanitária, assim como a abertura de Residências sem planejamento e num contexto de falta de concursos públicos. Sendo assim, é necessário que a educação tenha como centro as necessidades que emergem do serviço, os desafios que a prática nos coloca, mas isso não quer dizer que não há necessidade de teoria, apenas que a teoria subsidie a prática e seja uma demanda deste fazer profissional.
A Residência Multiprofissional se caracteriza como uma das modalidades de educação permanente, porém não é a única estratégia de formação para trabalhadores na Saúde. Essa modalidade perpassa por três eixos, o prático, o teórico e o de pesquisa. Segundo a doutoranda, um dos desafios enfrentados nessa prática é a materialização das competências profissionais articuladas à reforma sanitária, por isto, é extremamente importante a manutenção de uma lógica pública na formação de recursos humanos para o SUS e de profissionais e práticas que estejam atrelados à reforma sanitária e que atendam às necessidades de saúde da população.
Aliado a isso, a Residência Multiprofissional deve surgir a partir da demanda dos serviços e necessidade dos usuários, por este motivo é necessário a construção de linhas de cuidados que sejam articuladas com as demandas do nosso sistema. Portanto, o objetivo da residência não é suprir a falta de profissionais na rede e não deve ser construída verticalmente, mas é necessário ouvir as necessidades do serviço. Ainda sobre linha de cuidados, os programas devem ser articulados dessa forma, porém é necessário que essas linhas de cuidado se articulem, por exemplo: a Atenção Básica tenha como cenário de prática a Saúde Mental.
Outra questão levantada foi sobre quais seriam as áreas estratégias de formação. Thaíssa entende que o assistente social deverá se inserir principalmente na Atenção Básica e que esta deve articular com outros setores, com outras vivências, como os modelos substitutos da Saúde Mental. Mas o que ocorre, na maioria das vezes, é a lógica hospitalar e a formação de profissionais nesses espaços.
No contexto de qualquer trabalho multiprofissional entra a discussão de núcleo e campo. O núcleo é entendido como o campo de nossas atribuições privativas e o campo, as competências que podem ser compartilhadas. Exemplificando: qualquer profissional pode orientar sobre direitos sociais, e é fundamental que todos entendam a importância da questão social no processo de adoecimento, porém, um estudo social é atribuição privativa do assistente social. É, portanto, necessário uma formação que seja integrada, que não seja fragmentada, que as competências possam ser compartilhadas, mas também é necessária a contemplação daquilo que é especifico de cada categoria, sendo assim, é necessário haver módulos específicos por categorias.
O equilíbrio entre prática e teoria, na Residência, também é defendido pela professora. Para ela, os Programas devem criar mais espaços de discussão teórica focados no Serviço Social. “O campo da pesquisa, muitas vezes, vem sendo relegado e isso deve ser revertido, pois são esses estudos que garantem a dimensão reflexiva e crítica do processo de formação”, afirma Thaísa. A palestrante coloca, ainda, outro limite à pouca produção teórica sobre residência. Para ela, os envolvidos nesse processo não escrevem sobre suas experiências e, portanto, há um desconhecimento das potencialidades e limites dessa prática.
O debate sobre a carga horária também foi levantado. O posicionamento da pesquisadora é contra as atuais 60 horas exigidas, questionando se esse trabalho permite uma formação reflexiva e se o residente tem condição de após uma plantão de 12 horas produzir textos, artigos, pesquisas. O que se vê em muitos programas é a predominância de atividades assistenciais e poucos espaços para planejamento de atividades.
Outros desafios colocados são referentes ao preceptor. Em muitas residências, o preceptor não recebe quaisquer incentivos e estão realizando o papel do tutor, o preceptor é aquele que irá ensinar a prática, mas não é o único agente na formação do residente, portanto, orientar pesquisa não é papel do preceptor, mas sim do tutor. Por isso, o debate de liberação de carga horária, de plano de carreira e incentivo a estes profissionais, é tão necessário.
Como questionamentos e limites, Thaíssa aponta que é necessário a realização de mapeamento nacional das residências, criação de grupos de discussão e articulação com o Fórum de Residentes, com as Câmeras Técnicas e fortalecimento desses espaços. Ressalta ainda, a necessidade de integração de residência com graduação, que os cenários de formação sejam os mesmos, um equipamento que forneça à residência também se ofereça campo de estágio, mas que o residente não assuma o papel de supervisor deste estagiário, pois, entende-se que este está também em processo de formação.
A Residência em Minas Gerais
O segundo momento do evento foi reservado para a oficina “A formação dos diversos sujeitos envolvidos na Residência Multiprofissional: a contextualização da Residência em Minas Gerais”, que propôs uma discussão entre residentes multiprofissionais, preceptores e coordenadores sobre questões práticas e teóricas da funcionalidade das residências multiprofissionais presentes no encontro. Quem coordenou a atividade foi Marina Monteiro de Castro e Castro, doutoranda em Serviço Social pela Universidade Federal (UFRJ), professora do Curso de Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e coordenadora regional de graduação da ABEPSS Leste.
Iniciou-se uma roda de conversa sobre os desafios enfrentados na prática, como a falta de estrutura e planejamento pedagógico, aulas ministradas em formas de palestras, falta de módulos específicos por categoria etc. Além do questionamento da formação ser voltada para o SUS, mas não ter nada que garanta que estes profissionais irão se inserir neste Sistema.
O Encontro foi encerrado com o Lançamento do Fórum dos Residentes, no qual este blog faz parte. Enfim, pudemos ver que, quando saímos da zona de lamentações e buscamos conjuntamente refletir e construir caminhos resolutivos, começa a se materializar um projeto de qualidade, o qual respeita os direitos e faz cumprir os deveres dos residentes, preceptores, tutores, coordenadores e demais envolvidos.
Reconhecemos que nossas dificuldades e limitações estruturais são inerentes à construção de um novo espaço, por isso foi riquíssima a troca de experiências entre as diversas instituições formadoras, em diferentes momentos de construção. Esperamos ampliar esse debate, sensibilizando e disseminando a proposta, que, ao final, se resume em Residências Multiprofissionais alinhadas e capacitadas em suprir a demanda que lhes é imposta: formação com qualidade.
Amélia Andrade do Nascimento- Assistente Social Residente
Maria Goreti Nascimento Marques- Assistente Social e preceptora
Olga Inah-Inare Aquino Ribeiro - Assistente Social Residente
Pollyana Oliveira Santos – Fisioterapeuta residente